Sou ficcionada pelo século XIX. História,Teatro,Literatura,Arte, Fotografia... vou tecer partes da história deste século e tudo mais que esse cantinho couber. Divido as angústia de uma historiadora-atriz. Apaguem as luzes, as Cortinas estão se abrindo...

terça-feira, 26 de julho de 2011

A Teatralização da política, gestos e prática: Teatro Brasileiro século XIX


A passagem da América Portuguesa para Brasil independente, possibilitou significativas transformações na maneira de conceber os espaços de fazer política, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro. Entre estas transformações podemos perceber: o surgimento da imprensa periódica de opinião, a criação de associações leigas, (que não estavam diretamente vinculadas à administração pública, podendo assim, gozar de uma certa liberdade de ideias e de ações políticas), e o Teatro como lugar de sociabilidade e expressão de um canal de diferentes vozes da sociedade brasileira do século XIX.
Esta reflexão sobre o Teatro brasileiro no século XIX será especificamente sobre a sala oficial de espetáculos do Rio de Janeiro, fundada em 1813 por D. João VI, que recebeu o nome de Real Teatro São João, que em 1826 foi reinaugurado após o incêndio de 1824 com o nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara, que mais uma vez em 1831, após a Abdicação de D. Pedro I, é rebatizado de Teatro Constitucional Fluminense. Para refletir novamente a teatralização da política em torno desta sala de espetáculos, em 1838, com a chamada política do Regresso, volta a chamar-se Teatro São Pedro de Alcântara. Estas mudanças de nomes reforçam as significativas disputas políticas em torno da função pública do Teatro.


Atualmente este teatro é conhecido como Teatro João Caetano, que na realidade não possui mais nenhum resquício do edifício Imperial fora sua localização. O prédio foi demolido em 1928, na gestão do prefeito Antonio Prado Júnior, influenciado pelos projetos modernistas.



 
Dentre as transformações na cena pública no processo de independência do país e na representação da multifacetada constituição do estado brasileiro, desejo pensar qual era o lugar do Teatro neste processo, ou seja, problematizar o teatro como espaço de sociabilidade no contexto da década de 20 e 30 no Brasil do século XIX. Tenho como orientador de minhas ideias o trabalho magnífico do historiador Marco Morel “As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade Imperial” (1820-1840).


A sala oficial de teatro da corte transformou-se, dentro deste contexto de consolidação da nação um espaço de manifestação pública, que muitas vezes esteve indiferente a peça representada, e os espectadores diante das conjunturas políticas podiam chamar mais a atenção do que os atores no palco.
O público, pela força de suas vozes, gestos e palavras-de-ordem, tornava-se ator político, sujeito histórico.A platéia era gestadora de “lutas simbólicas” desde o governo do príncipe Regente em 1821, passando pelo primeiro Reinado até o fim das Regências em 1840. Tal fenômeno foi confirmado por diversos testemunhos e não escaparia ao olhar estrangeiro do inglês Walsh:
Não obstante, uma circunstância faz com que a Ópera seja um local benquisto para os brasileiros. É onde todos os acontecimentos políticos do país — sobre os quais eles têm grande interesse — são anunciados e concluídos. Essa instituição sozinha é capaz de atrair os brasileiros independentemente de estar apresentando boa música e dança.1
O teatro ajustava-se como um lugar de expressão dessas “lutas simbólicas”, e equivalia a uma espécie de termômetro da chamada opinião pública, que era reforçada na imprensa, e ambas expressões serviam de instrumento no processo de criação das “identidades políticas” que se forjavam num intenso debate de construção da nação.
É importante perceber as diferenciações no uso do Teatro como forma de espaço público. Num primeiro momento o teatro funcionou como um local privilegiado de expressão e exibição da soberania monárquica, sobretudo a partir de 1821 e durante a maior parte do 1º Reinado. Deste modo, a representação política deste espaço realizava-se através de dois atores políticos, o soberano e os súditos. O Teatro neste momento legitimava-se como um lugar de expressão de uma vontade de autoridade moral da coroa. Este espaço, mesmo não possuindo uma validade institucional deliberativa de uma assembléia, reforçava uma consagração da autoridade monárquica, através da aclamação, um mecanismo de legitimidade arcaico do Antigo Regime.


A partir de 1821 diante do contexto histórico da revolução constitucional ibérica e do processo de independência brasileira esta relação consentida no espaço teatral entre monarca e súditos ganham outros contornos. O Teatro transforma-se não apenas em lugar de aclamação, mas também em lugar de diálogo, conflito e consenso, onde a teatralização da política ajustava-se aos diferentes gestos e exibições públicas. O teatro neste contexto torna-se um espaço hibrido de sociabilidade, ou seja, esta relacionado a rua e aos espaços fechados, entre a noção de soberania monárquica e soberania popular, entre o oficial e o informal, entre a população anônima e a população letrada, ou seja os críticos de teatro e a imprensa.
Esta mudança foi um processo lento e gradual e caracterizou o Teatro como um espaço público importante, que abrigava conflitos e disputas políticas, gestos e práticas sociais diferenciadas, favorecendo como expressão destes embates o aparecimento de códigos teatrais como espirros, assovios, gritos e algazarras que eram largamente conhecidos, e reforçavam embates raciais e sociais.
Foi neste contexto que ocorreria o chamado “Motim do Teatro”, a 28 de setembro de 1831, quando as forças armadas em mais um destes tumultos abriram fogo conta a platéia, deixando muitos feridos. Este evento trata-se de um movimento político promovido pela facção dos liberais exaltados, com participação de camadas sociais diversas. Situada no início do período regencial, é compreendida como um dos eixos de desenvolvimento de uma cidadania informal e de uma incipiente nacionalidade, construídas de baixo para cima, no âmbito de um emergente espaço público de ação política. Este Motim será analisado na próxima postagem trazendo  mais informações.

Bibliografia:
1 Morel, Marco."As tranformações dos espaços públicos: Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial ( 1820-1840).

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